RPG de mesa

Como criar personagens de RPG realistas?

Não é incomum que, ao se criar um personagem (independente de sistema e cenário), já pensemos “em como estarei daqui a ‘x’ níveis” ou “o que farei com os ‘y’ pontos que irei conquistar”. Contudo, até onde isso é interessante para a narrativa? O quão limitador e desinteressante esta prática pode ser considerada no desenvolvimento de uma entidade histórica (o personagem)? Personagens de RPG devem ser encarados como vidas de facto.

Suponha que você se chame Augusto. Dezessete anos, acabou de entrar no curso superior de Tecnologia da Informação. O ano é 2011. Você entrou com muita vontade de trabalhar em redes (que está bombando), ou até mesmo na parte de hardware (preferível). Nunca curtiu programar. Perto do final do curso, você percebe que o mercado mudou. Um programador mediano não fica parado, mas um cara que “conserta PC’s” está praticamente em desuso. E então, o que você faz? Aprende programação.

Como seriam essas reviravoltas de uma vida? Imagem de Pxhere.

De maneira análoga, a vida de um personagem para um universo de fantasia medieval passa pelos mesmos conflitos no desenvolvimento de sua persona e habilidades que o de qualquer cidadão que nos rodeia. A partir dessa premissa, quando construo um personagem, a primeira coisa que faço é a história. A partir da história, me debruçarei na ficha do personagem.

Tudo isso atendendo a uma lógica de desenvolvimento: um personagem de nível 1 terá uma história bem menos densa do que um de nível 6. O que me recuso a fazer, sempre, é pensar no que o meu personagem terá daqui a 4 níveis a frente. Melhor, posso até pensar, mas aquilo jamais me prenderá ao seu desenvolvimento. E qual será a principal variável para determinar este avanço de nível? Será a história elaborada no correr da campanha.

O quão envolvente seu personagem é para você? Foto de Needpix.

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Exemplifiquemos. Pode ser que o meu Bárbaro, de nome Crombel, chegue ao nível 5 e tenha (ao desenvolver da campanha) alcançado a inspiração para batalhar de um modo distinto, fazer algo mais, digamos, “cientificamente embasado”. Ok, vou comprar um nível de guerreiro. Mais para frente, eu posso até me aproximar um pouco mais da divindade: meu personagem pode ter sido expulso de sua tribo, perdeu a conexão com o mundo que o cerca e olha para a sociedade com desesperança… Ok, por que não comprar um nível de druida? Vai servir para deixar meu personagem mais poderoso em uma batalha? Absolutamente não. Porém vai servir ao principal propósito de ser um personagem jogador em uma campanha de RPG: interpretar vidas. Jogamos não para fazer frente a inimigos cada vez mais poderosos, esta é a consequência. Jogamos para sentir a emoção, colocar-se no lugar de um indivíduo parido por você e vivê-lo em sua plenitude, o que também significa permitir-se mudar de ideia.

Por isso, da próxima vez que fizer um personagem, pense menos no quão poderoso ele será e muito mais na história em potencial que ele estará apto a viver. E se a campanha se desenvolver de algum modo onde as suas habilidades/personalidade não estão sendo úteis/ressaltadas (e você, naturalmente, sente-se mau por isso), fique tranquilo: a culpa é do narrador. É papel deste estipular as diretrizes para a construção dos personagens (o que evita grupos dissonantes), assim como o é de potencializar o que cada personagem tem de melhor (e, claro, de pior… afinal, frustrações também fazem parte de uma vida).

Porque em algum momento haverão batalhas, mas você não existe só para elas. Imagem de wiki.

Portanto, da próxima vez que fizer um personagem, imagine como ele responderá a situações diversas: em uma taberna com música alta; em frente a um Duque influente ou expressando ao grupo algo que o desagradou.

Construa essa persona e permita-se mudar durante a campanha. Faz sentido continuar sendo Leal e Bom? Certa vez, eu jogava com um Anão do Escudo clérigo de Moradin e era Escolhido do Deus. Em dado momento da campanha, notei que não fazia sentido permanecer Leal e Bom e deveria passar para Leal e Neutro. Contudo, ao fazer isso, eu não poderia continuar como Escolhido do meu Deus e, consequentemente, perderei uma relevante quantidade de poder… O que fiz? Sim, mudei de tendência.

Ao tomar esta atitude, eu não pensei no poder que perderia, mas no que faria mais sentido diante da forma como meu personagem estava se portando no jogo. O “caminho alternativo” que proponho nada mais é do que desfrutar do grande prazer de jogar RPG: viver a vida de outra pessoa. E, com toda certeza, para praticar isso em sua forma plena não pode se restringir ao quão poderoso eu estarei daqui a alguns níveis.

Fabrício de Queiroz

Fabrício, 32, é químico, empreendedor e apaixonado por RPG. Joga há mais de vinte anos e enxerga no RPG o principal refúgio esporádico de si mesmo. Também jogador, adora narrar, sendo os dramas pessoais e a megalomania as principais características de suas narrativas.

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