Salve os que nos consagram! Incauto leitor, hoje trago algo mais particular do que as dicas para mestres adquiridas nesses quase 25 anos de RPG, e se você parar para pensar não é muito, porque vim conhecer o RPG apenas aos 12 anos e chegamos exatamente ao ponto, pois o meu filho, hoje com 11 anos, conheceu o RPG aos 5 anos de idade. Achei importante compartilhar com vocês já que estamos iniciando a nossa terceira campanha juntos, pai e filho.

O objetivo do post é mostrar que trazer novos jogadores não é um dragão com cinco cabeças e trazer crianças para o hobby é mais fácil ainda.

Um pouco sobre a minha Lore

Vocês já me conhecem um pouco, mas preciso me apresentar agora como pai de três filhos, são eles: Pedro (11 anos), Pietra (9 anos) e Lara (3 anos). Os dois mais “velhos” são frutos do primeiro casamento, logo os três são irmãos por “parte de pai”. Atualmente moram todos comigo – não foi sempre assim – e agora fica mais fácil de coisas realmente boas acontecerem.

O meu interesse em passar algo para eles foi de deixar uma herança não apenas de valores, mas de habilidades para usufruir e transmitir para os filhos deles, e assim por diante. Entre outras muitas coisas, o RPG foi escolhido. 

Quando Pedro nasceu morávamos em lugar novo para a família e na época não tínhamos muitos amigos. Ele era o nosso primeiro filho e a inexperiência trouxe uma superproteção que foi vencida e que nos dias hoje damos risadas das coisas que fazíamos para protegê-lo e que não fizemos com Pietra durante o primeiro casamento e agora, no segundo, com Lara, você não acreditaria.

Pedro, assim como eu, era de poucos amigos e prefere, até hoje, brincar sozinho. Eu costumo dizer que sozinho ou com amigos nos divertimos do mesmo jeito. Pensando muito sobre o assunto e devido a sua grande imaginação, assim são as crianças, resolvi inseri-lo no mundo do RPG, mas não queria que fosse algo forçado sentando ele numa cadeira, colocando uma ficha na sua frente e dizendo o que ele devia ou não fazer. Fiz de outro jeito, acho que uma boa maneira de começar.

Nos primeiros anos dele, eu era atenção total exclusiva a ele. Voltava do trabalho para casa e ficava com ele o máximo de horas possível, gostava muito de fazer isso, era prazeroso. Porém, isso me afastou de outras atividades e diversões, entre elas o RPG. Não lembro de ter jogado RPG nos primeiros anos de vida de Pedro e se joguei deve ter sido uma one-shot em algum evento ou ter iniciado uma campanha, jogado uma sessão e logo abandonar a mesa coisa que não me orgulho. Então coloquei meu plano em prática e voltei ao jogo.

“…numa Galáxia muito, muito distante…”

Convidei os mais íntimos para uma campanha do recém lançado Fantasy Flight Games: Star Wars – Edge of the Empire. Eu estava no hype grande para jogar esse RPG, principalmente por ser fã de RPG e da franquia do George Lucas. Talvez nem fossem os mais íntimos na época, mas gostavam de Star Wars tanto quanto eu, serviram ao propósito muito bem e depois nos transformamos em bons amigos

Fantasy Flight Games: Star Wars – Edge of the Empire (Link Amazon)

Como disse antes, não queria impor o jogo ou cenário a ele, apesar de sempre comprar brinquedos com a temática de Star Wars e cogitar batizá-lo de Luke – sua mãe e as vós interviram de forma dramática e meu plano foi de água abaixo.  Bem, coloquei então as fichas na mesa, para quem não conhece, o primeiro produto da linha Edge of the Empire foi a beginner box, uma caixa linda que continha encartes com várias páginas como ficha e progressão de cada personagem, mapa-pôster de uma base do Império, tokens de cada personagem e inimigo e um conjunto de dados customizados do novo sistema. Era realmente muito atrativo ver tudo aquele material de apoio arrumado em cima da mesa, foi a isca perfeita, ele caiu.

O primeiro contato foi muito engraçado, foram muitas e muitas risadas no dia porque o deixei à vontade para fazer e dizer o que quisesse, apenas disse-lhe “você é o Pash, um humano pirata espacial, ele se acha bonitão e tem muito papo, veja como os outros fazem e quando for a sua vez faça do jeito que você acha que o Pash é”, foi minha única explicação para ele sobre RPG durante uns dois anos, sobre o resto ele foi atrás. Esse também foi o primeiro contato dele com o idioma inglês.

Sim, o Edge of the Empire lançado pela FFG era em inglês – de uns dois anos para cá é que tivemos a versão brasileira lançada pela Galápagos Jogos – e sempre jogamos assim. Apesar de ter um início “arrastado” devido a barreira do idioma, esse foi, lembramos disse sempre, um dos motivos para Pedro querer aprender outro idioma – ele lê, escreve e fala inglês desde 7 para 8 anos -, e foi aí que esbarramos no primeiro obstáculo para a continuidade dele no hobby. Ciente de outras tecnologias, ele, como a maioria das crianças que têm acesso, ficou deslumbrado pelos telefones celulares e seus milhões de joguinhos.

Celulares x RPG

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Com a facilidade e prática que ele sempre adquiria as novidades, Pedro logo se afeiçoou ao mundo dos games. Também tive minha parcela de culpa por sempre ter todos os consoles (da Microsoft) desde que comecei a trabalhar. Essa digamos, má fase não durou muito porque juntos, depois de algumas conversas, chegamos a conclusão que as possibilidades no RPG eram infinitas e que o Ezio (do Assasssins Creed) não poderia fazer mais nada além de cumprir as missões.

Sim, nessa idade e até os dias de hoje, ele convive com alguns jogos mais fortes, inclusive sendo fã da franquia Splinter Cell. Porém, o começo foi menos sombrio e mais divertido pela escolha que fiz como cenário onde ele teria o primeiro contato, o Star Wars. Apesar de todos tiroteios, explosões e mãos cortadas, Star Wars é um cenário onde dificilmente, ou quase nunca, vemos sangue, inclusive uma das premissas do sistema são as poucas baixas dos protagonistas, onde dificilmente um personagem morre – precisa ter muito azar para isso. Então a escolha não foi à toa. Sem contar que sempre estivemos muito próximos apesar do trabalho e sempre, sempre conversamos bastante sobre tudo que interessa uma criança com 11 anos.

O importante nessa relação, para o seu sucesso, é a compreensão, bom senso e limites. E temos tempo para tudo, estudos, diversão, bobeira, bagunça e coisas mais sérias que um dia cobrarão o preço e a guerra contra o celular é uma delas, pois já passamos por situações onde o smartphone era prioridade apesar das consequências. Mais uma vez o RPG e as boas conversas que temos ajudaram no processo. A da vez está sendo na campanha de Pathfinder 2E, onde estamos jogando a Adventure Path que ele teve que escolher entre o celular e a mesa, claro, pessoas que ele gosta estão jogando conosco e isso facilitou para todos. Eu nunca negocio com eles (meus três filhos) quando eles querem, as negociações sempre partem de mim.

É difícil?

Essa é uma pergunta que nunca me fiz, mas que agora passo a refletir sobre ela e agora acho que foi mais difícil para mim tê-lo na mesa eu sendo o DM do que ele sendo jogador. Também acho que a experiência  seria outra se ao invés de DM e player nós fôssemos parceiros como um bando de ladinos ou guerreiros sagrados numa cruzada.

Me manter em uma posição diferente e acima, continuando a impor perguntas e desafios parece ter sido fácil, mas não foi. A pressão foi maior e o não errar, por mais que ele não conhece o RPG, parecia que eu poderia errar também como pai.

Por outro lado, ele me surpreendeu. O linguajar que ele usa – sempre joga de ladino – e o conhecimento que ele adquiriu com as regras, tanto inglês como português, aguçou ainda mais a participação dele como jogador, tanto que, hoje em dia, eu preciso pedir para ele deixar os outros participarem (risos). Não é porque é meu filho, mas é um grande jogador, o grupo também reconhece.

A escolha do próximo cenário aconteceu sem muito planejamento e até com certa surpresa. Estávamos jogando D&D5E, a Tomb of Annihilation há um ano, e do nada ele perguntou se ele poderia entrar na mesa, e o “pior” é que ele já tinha noção da aventura por estar jogando MMO Neverwinter. Realmente não tivemos dificuldades até chegar ao Pathfinder como próxima escolha.

Aventura de Dungeons and Dragons 5.0 – Tomb of Annihilation (Link Amazon)

O próximo passo

Vamos permanecer na fantasia medieval por um bom tempo e é provável que alterne com aventuras espaciais e robôs gigantes da Brigada Ligeira Estelar que sou fã. O tempo vai passar e muito em breve ele estará jogando com seus colegas de escola, primos e amigos, e estará escolhendo seus próprios sistemas.

Eu não acho que seja uma boa hora de inseri-lo em temáticas mais sombrias e em temas mais pesados, vou deixar que ele aproveite bem a pegada heróis salvando princesa aprisionadas por magos, tudo no seu tempo, não preciso antecipar nada.

A minha sugestão para jogos com crianças, é daqueles jogos com bastante props, coloridos e com artes leves. Quanto mais elementos o jogo tiver, melhor fácil de inserir uma criança, e o papel principal é de como a mesa irá receber e levar esses jogos. Serão apenas crianças? Adultos e crianças como eu fiz? Um bom diálogo prévio com a mesa para acertar esses detalhes dará o tom da recepção e o bom senso dará a continuidade. Eu sempre peço feedback após as sessões e nesse caso o feedback do pai ou do responsável é crucial, pois algo que necessariamente precisa ser dito é que tudo alí é fruto da imaginação e que não passa de um “faz de conta”. Essa é a chave para o início e para o fim de uma boa sessão com crianças, e não esquecer que nós, os mais velhos, somos uma das pontos para o futuro dessas crianças.

Eu gostaria de saber mais sobre a sua experiência nos jogos com crianças. Comenta aí.

Bons dados!

Old Paladin

"Abcdista, DM, administrador, marido, pai e tentando ser escritor."

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