RPG High Level

Direitos do Avatar de Jogos (e não é o filme do James Cameron)

Em outubro deste ano saiu uma novidade interessante em termos de direito para os jogadores de MMORPG que pode inclusive se estender para outras modalidades de jogos como o MOBA, FPS e etc. Um jogador entrou na justiça contra a Blizzard porque em janeiro de 2015, ela suspendeu sua conta no World of Warcraft sem qualquer explicação válida. Assim, pediu para que a conta fosse restabelecida e uma indenização de 20k em dinheiro pelos danos morais sofridos.

O processo correu no Rio de Janeiro no fórum de Jacarepaguá e o jogador argumentou que ele era usuário pagante do jogo, que jogava com o mesmo avatar há seis anos e que estava na posição 6.770 do ranking mundial composto e 10 milhões de jogadores.

No ultimo lançamento o “WoW Classic” a Blizzard teve mais de 1 milhão de pessoas assistindo no Twitch simultaneamente. Imagem Oficial.

Durante o processo, a Blizzard disse que ele violou os termos de uso da plataforma porque usou um bot pra farmar itens. O avatar dele fez isso por 10h ininterruptas, com jogadas repetitivas e a plataforma chegou a enviar mensagens de alertas, as quais não foram respondidas, porque, em tese, jogador não estaria na frente da tela. Era um bot.

De inicio o juiz deu causa ganha ao jogador e obrigou a Blizzard restabelecer a conta, mas não deu um centavo pelo dano moral. Claro que o jogador recorreu da sentença e o juiz da instância superior reconheceu que a “imagem do jogador foi lesada” e condenou a Blizzard a pagar 5k por danos morais.

Independentemente de que quem esteve com a razão desde o início, este foi um caso inédito com muita importância para futuramente conter os abusos causados pelas plataformas de jogos online. O Facebook e o Instagram já tiveram sua vez e o que eles têm em comum com a plataforma de jogos é que quando ocorre o banimento, o usuário costuma ficar a ver navios sem maiores explicações sobre o ocorrido.

Mas porque será que é realizado o banimento arbitrário e eles não dão explicações?

Logo quando essa decisão saiu eu comentei no Linkedin sobre sua importância, dos abusos das plataforma (em especial a Blizzard que já vem decepcionando a clientela com outras tantas atitudes) e um cara do QuintoAndar veio me dizendo que todo item adquirido ou comercializado no jogo não é do jogador e nem a conta utilizada. O que ocorreria é uma licença de termos de uso que é assinado por ele antes de criar a conta. Assim tudo o que o jogador possui dentro do jogo, incluindo a conta e o avatar são emprestados pela plataforma.

Quanto às explicações, uma vez peguei um caso do Airbnb onde o meu cliente também foi banido sem explicações e o que eles disseram é que eles se reservam no direito de não fornecer informações, por uma questão de segurança interna. Além disso, a filial do Brasil é somente destinada ao marketing da empresa não tendo o poder da filial de São Francisco, onde está o suporte de TI da plataforma, o que seria mais uma razão para eles não resolverem o problema.

Aham, ok, boomer.

Primeiro que ninguém pode questionar os termos de uso da plataforma, ou você aceita ou fica de fora. Nós do jurídico, chamamos isto de “contrato de adesão” e, em regra, a lei brasileira protege você contra eventual abuso. O problema é que a evolução tecnológica está a muitos passos a frente da evolução jurídica e as vezes isto pode ser um problema, as vezes não. Tudo vai depender da forma como você expõe o caso.

“chamamos isto de “contrato de adesão” e, em regra, a lei brasileira protege você contra eventual abuso

Segundo, não existe nenhum direito absoluto, pessoal, muito menos da plataforma sobre o que há na sua conta. Sabemos que a indústria dos games fatura milhares de dígitos por ano, números que são sustentados pela sua horda de fieis jogadores, que muitas vezes colocam toda sua vida dentro das interações no jogo.

A conta ou perfil dentro da qual nasce o Avatar dos jogos online é um mediador entre dois mundos, um fenômeno multidisciplinar pouco estudado, é verdade, mas que deveria ser seguido para ser entendido melhor. Até mesmo porque a forma com a qual nos relacionamos hoje com nossas contas e perfis de rede social, na minha opinião, tenderá a ganhar contornos semelhantes às dos Avatares em universos de MMO.

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No caso do WoW, tal como outros jogos, o sucesso do jogador requer muitas horas de dedicação, mas principalmente, dependerá da qualidade de sua interação com os demais, pois é muito difícil evoluir no jogo sozinho. Por esta razão, os jogadores se reúnem em grupos chamadas guildas, que podem ser enormes, contendo umas 100 pessoas, ter regras muito rígidas e serem altamente organizadas e hierarquizadas.

Você precisa estar alinhado com seus valores e critérios de avaliação, que geralmente não terão nada a ver com a plataforma como por exemplo companheirismo, boa comunicação, liderança, conhecimento sobre o jogo em si, o que significa que o relacionamento social tem sua importância.

Explicar isto para um juiz não é tarefa fácil, ainda mais no Brasil onde ainda temos muito dessa cultura de que videogame é coisa de criança. Essa decisão foi muito boa, mas o processo correu de uma forma bem simples, sem maiores debates e no final o jogador ganhou 5k por danos morais sendo que ele está banido desde 2015. São 4 anos perdidos. A conta pode voltar que ele não é mais ninguém dentro da plataforma, eu garanto.

Isso se ele não tiver criado outra conta, mas deixa quieto.

Por isso, o debate ainda tem muito a evoluir!

Fazendo a advogada do diabo, vamos combinar que o banimento de um jogador de “alta classe” no ambiente virtual não pode ser igual ao do jogador ocasional. Esta diferenciação tem sido alvo de interesse quando o assunto são perfis de redes sociais como o Facebook e o Instagram, já me deparei com decisões que fazem este tipo e distinção sendo necessário apresentar uma boa quantidade de documentos pela parte interessada.

Outro ponto é a razão pela qual ocorrem banimentos ou suspensões de contas. A Blizzard alegou a existência de bots usados pelo jogador, o que é proibido pelas regras da plataforma, porém, nosso código consumerista diz que a empresa por ter mais força e condições econômicas, ela quem deve provar o uso de bots.

No meu ver esta pode ser quase uma prova diabólica porque na prática, é comum as plataformas descobrirem essas manhas pela própria experiência do jogo. O CounterStrike, por exemplo, costuma convidar os próprios jogadores para identificar o uso de bots o que significa que a técnica de identificação de alguns deles não requer algo maior do que seu próprio conhecimento.

Counter Strike Global Offensive – CS GO – Já conta até com ranking de jogadores que mais ganham dinheiro o jogando. Imagem oficial.

Poderia ser feita uma perícia no PC do infrator, mas até que seja determinada, a máquina ou a prova pode ser perdida até lá. Isso pode ser uma péssima ideia, porque se ficar demonstrado que o PC do jogador não tem nada, na minha opinião a plataforma com certeza vai perder a ação, e o dinheiro da perícia terá sido jogado fora, por puro desconhecimento da causa pelo juiz.

A prova ocular do bot pode simplesmente não convencer o juiz ou não ter nenhuma credibilidade, mas eu acho, sinceramente, que a Blizzard devia ao menos ter tentado.

Imagino se não seria interessante o investimento em mediações online voltadas para este fim. Mas este é um tópico para outro artigo!

Veja também mais artigos de Milena aqui.

Milena Goulart

Advogada especializada em direito civil e do consumidor. Estudiosa de temas do direito ligados à tecnologia. Adora jogos de videogame indie e acha que o jogo Stanley Parable sintetiza o que é binaridade da vida, sem precisar falar em algoritmos.

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