Game Design

O Crowdfunding dos Gatinhos Explosivos no Kickstarter

 Se você veio parar aqui por causa das palavras “gatinhos” e “explosivos”, pode ficar tranquilo, nenhum animal foi maltratado na confecção deste artigo e tampouco para fazer o jogo de cartas Exploding Kittens apoiado pelo Kickstarter, plataforma norte-americana de financiamento coletivo. Este post é sobre a importância da propriedade intelectual para os desenvolvedores de jogos colocando como exemplo a história do jogo Exploding Kittens em seu financiamento coletivo épico.   

Afinal de contas, Don’t F*ck With Cats é a regra nº 0 da internet, já avisa o novo seriado da Netflix. Assistam, vale bastante à pena. 

De acordo com a CNN “Exploding Kittens é um jogo de cartas parecido com o UNO, exceto pelo fato de que há cabras, enchiladas mágicas e gatinhos que podem matar você (?!)”. Esta descrição espirituosa é o reflexo de uma das campanhas mais bem-sucedidas do Kickstarter, plataforma de financiamento coletivo norte-americano.

Elan Lee, Shane Small e Matthew Inman, desenvolvedores do jogo, esperavam angariar uma quantia módica de 10 mil dólares, mas acabaram batendo todos os recordes de tempo x Apoiadores da plataforma. Sete dias após a abertura da campanha, o jogo passou de 106 mil apoiadores e ao final dela já tinham arrecadado um total de 8.7 milhões e assim, vêm espalhando seus gatinhos explosivos por aí desde 2015.

Mas como nada é perfeito, quando ocorreu a preocupação com elementos de propriedade intelectual do jogo, os desenvolvedores acabaram ingressando em uma batalha judicial pelos direitos de uso da marca. Aconteceu que pouco mais de uma semana, com a campanha indo bem, eles descobriram que alguém já tinha realizado o depósito da marca e o nome de domínio pretendidos um dia antes. Sim, um dia antes. 

Este case americano nos apresenta um dos riscos do crowdfunding que é aquele relacionado às questões de propriedade intelectual da campanha. Dado à proposta e natureza do financiamento coletivo a campanha é aberta ao público para angariar apoiadores e geralmente não há a proteção prévia da marca e seus derivados, o que expõe seu conteúdo à riscos de alguém “roubar” os elementos do projeto.  

Os desenvolvedores do Exploding Kittens acreditam que foram alvo do que os americanos chamam de IP Predators, que são agentes que monitoram atividades nas plataformas de financiamento coletivo, acompanhando o sucesso das campanhas agindo na oportunidade de “roubar” ideias. Elan, Shane e Matthew deram certo muito rápido, quebram recordes de financiamento, e, sete dias depois, alguém depositou a marca e o nome de domínio. Pode ser mera coincidência? Sim, mas não é o que pensam os criadores do jogo!

Ao compartilhar suas ideias inovadoras, interessantes e desprotegidas em uma plataforma aberta ao público, sem depositar a marca, o idealizador do projeto também as compartilha com seus concorrentes em potencial e interessados em “roubar” a ideia. As consequências podem ser variadas como, por exemplo, a reprodução do conteúdo por um valor mais barato, o “sequestro” da marca para um acordo extrajudicial milionário, acarretando em uma grande perda financeira e a reputação de uma campanha que era antes promissora. Tudo isto acaba aumentando a importância da propriedade intelectual nos jogos. 

Sob a ótica da lei brasileira é relativamente simples realizar o depósito da marca pois não há necessidade de o titular provar que já vinha fazendo uso dela para validar o seu registro. Em contrapartida, também é simples para terceiros realizarem o registro primeiro porque em regra aquele que primeiro depositar a marca no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, terá garantido seus direitos de uso, sem que haja a obrigação de provar que já vinha fazendo uso dela, dado ao sistema do first-to-file da lei brasileira. 

 Neste este contexto, é mais simples para o interessado depositar a marca, mas também é simples de outra pessoa “roubar”. A rega do first-to-file, porém, (como tudo na vida) comporta exceções e caso exista uma disputa entre dois titulares e um dos interessados provar que de boa-fé usava a marca há no mínimo 6 meses, o mesmo terá preferência no registro em detrimento de quem teria registrado primeiro. 

De qualquer forma pode ser uma dor-de-cabeça caso o desenvolvedor não se preocupe com registro antes de lançar a campanha. O ideal é que fossem registrados pelo menos os elementos essenciais como por exemplo, o nome, logotipo, símbolo, nome de domínio, o mascote, porém, caso isto seja inviável, devido à limites financeiros, no mínimo é preciso fazer uma busca do nome da marca no site do INPI e verificar se ela está disponível e dar entrada no pedido de registro do nome da marca e o nome de domínio.  

No próprio site existe um manual ensinando como registrar a marca em 10 passos sendo que, além da pesquisa, merece atenção a definição de classes de produto ou serviço a serem atribuídos à marca que são a essência econômica da mesma. Estas classes são parecidas com os CNAES de padronização de atividades empresariais, quando se abre uma empresa. Por exemplo, você quer registrar uma marca de jogos de tabuleiro, neste caso ela deverá ser registrada com a classe 28, nº 280156, “jogos de tabuleiro”. 

Por isso minha dica para você que é game designer é fazer uma busca no site do INPI e ver se nome da sua marca e o nome de domínio que você quer pro seu jogo já têm dono, porque tanto as plataformas de financiamento coletivo americanas quanto as brasileiras não fazem esta busca e devido à importância da propriedade intelectual nos jogos será um problema caso já tenha sido registrada em nome de outra pessoa e você não souber disso quando começar os trabalhos. Um processo judicial ou administrativo dessa natureza pode acabar com a sua campanha

Se a marca e o nome de domínio estiverem livres, registre em seu nome antes de lançar a campanha e evite que “roubem” eles de você. As plataformas também não protegem seus direitos, mais uma razão importante para você registrar antes de iniciar o financiamento.

Veja mais artigos de Milena Goulart aqui.

Milena Goulart

Advogada especializada em direito civil e do consumidor. Estudiosa de temas do direito ligados à tecnologia. Adora jogos de videogame indie e acha que o jogo Stanley Parable sintetiza o que é binaridade da vida, sem precisar falar em algoritmos.

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