E como prometido, nada diferente era de se esperar. Aqui estou de volta para continuar explorando referências para a baixa magia no RPG! Logo, se você não viu a primeira parte ainda não fica aí moscando e clica aqui para acompanhar o raciocínio!
Hércules (2014)
Dwayne “The Rock” Johnson, sem dúvida é um dos atores mais populares da nossa geração, com um vasto currículo de filmes. Com praticamente uma aura de carisma ao seu redor e o porte físico mais próximo de uma rocha que um ser humano é capaz de ter (obviamente eu sou um fã). Tão logo não era de se estranhar que ele eventualmente interpretaria o poderoso Hércules nos cinemas. Entretanto, o filme tinha tudo para ser “mais uma tentativa fracassada de fazer épico grego”. Mas no fechar das cortinas acabou surpreendendo quem viu o filme em 2014.
Todos nós sabemos quem é Hércules e temos o mínimo que seja de conhecimento sobre a mitologia grega. Por isso, essa vai ser uma análise bem curta. Vamos nos focar nos personagens e no que esse filme tem de diferente.
Pra começo de conversa temos um filme sobre Hércules e Grécia antiga sem magia. Durante o filme inteiro vemos que os monstros e seres com os quais ele se depara são fruto da superstição e de histórias de guerra feitas para intimidar o inimigo.
O manto feito de pele de leão e clava do herói são apenas símbolos que reforçam a crença das pessoas sobre os seus feitos. Sim, aqueles mesmos que são cantados e exagerados pelo seu sobrinho.
Hércules utiliza bastante do recurso de grandes combates corporais contra bestas extraordinárias.
As nove cabeças da Hidra são meliantes vestindo máscaras de serpente. Os centauros são guerreiros montados a cavalo. A feitiçaria do antagonista do filme não passa de uma mentira, propaganda de guerra do inimigo como forma de intimidação, para citar apenas alguns exemplos. Se em Arslan Senki temos um grupo com várias habilidades semelhantes as classes básicas de D&D, aqui no grupo de mercenários liderado por Hércules isso fica ainda mais evidente.
O próprio Hércules é claramente um bárbaro. Assim como Tideu – observe que são bárbaros com habilidades completamente diferentes um do outro – Autolito é um ladino clássico. A amazona Atalanta é um ranger. Iolaus é um bardo e Anfiarus é um clérigo “capaz” de ter visões do futuro. Cada um com sua arma e estilo de luta característico o que torna a ação do filme bem dinâmica.
O longa é baseado na Hq Hercules: The Thracian Wars, que conta com uma continuação chamada The Knives of Kush. Como de costume, algumas diferenças em relação aos personagens aos quais somos apresentados no filme (que retrata um Hércules com uma pegada Conan lifestyle). Mas ainda sim ambos são um excelente material para inspirar sua mesa, especialmente aqueles que querem ambienta-las em um cenário análogo a Grécia antiga. Também se incluem aqueles que queiram jogar com um grupo de mercenários que lutam e se aventuram por ouro, ao invés dos clássicos aventureiros de sempre.
Depois de ver esse filme e ler as Hq’s fica muito difícil pra mim imaginar um bárbaro que não esteja vestindo um manto feito da pele de um leão. E é necessário que use como arma um tacape com quatro anéis de cravos metálicos.
O Espadachim de Carvão
Me faltam palavras e adjetivos suficientes para descrever todos os meus elogios sobre essa obra de literatura nacional que está para ganhar uma série animada em breve (o trailer da CCXP ficou simplesmente SENSACIONAL!!!!!).
Escrita por Affonso Solano, uma figurinha carimbada da internet, a série Espadachim de Carvão conta com dois livros e uma Hq, sendo respectivamente: O Espadachim de Carvão, O Espadachim de Carvão e as Pontes de Puzur, e, Tamtul e Magano e a Ameaça de Rumbaba.
A saga narra as aventuras de Adapak, um semideus filho de um dos quatro grandes seres que criaram o mundo de Kurgala e as numerosas raças que o habitam, cuja característica física mais marcante é a pele negra como um pedaço de carvão.
Não vou entrar em mais detalhes da trama dos livros pois não desejo estragar a experiência de ninguém que ainda não conheça a obra, em vez disso vamos nos concentrar na principal característica do cenário: A originalidade!
O mundo de Kurgala é único, não há raças como Elfos, Anões e Halflings, mas sim seres que mais parecem ter saído diretamente de Star Wars, com suas anatomias praticamente alienígenas, me surpreende que ele tenha se dado ao trabalho de inserir humanos no mundo.
Dentre algumas dessas espécies podemos destacar:
- Ushariani: seres com três braços e três pernas com uma pele tão fina que se torna quase transparente, personagens dessa raça tem papeis fundamentais nas histórias.
- Sadummunianos: famoso “bicho grande, forte e peludo”, mas que possuem uma riqueza cultural imensa.
- Inannarianos: um dos seres mais exóticos que eu já vi. Parecem uma fusão de um elfo com um alienígena grey, também contam com figuras interessantes na obra.
- Humanos: com poucos representantes na obra, porém muito marcantes, de maneira geral possuem pele morena e cabelos negros.
São 16 raças no total, cujas culturas podem variar conforme o local em que residem. Suas capacidades físicas e cognitivas também variam de modo contrastante o que nos dá a impressão de um mundo vivo onde as coisas acontecem independentemente das ações do protagonista e no qual as escolhas que os personagens importam mais do que sua espécie.
Temos também toda sorte de guerreiros, com estilos marciais que únicos criados especialmente para a anatomia de determinada raça – com direito a uma arte marcial baseada em vetores, probabilidades matemáticas e biomecânica – ,bem como sacerdotes, marinheiros, feiticeiros, bardos, eruditos e ladrões ousados no melhor estilo Conan, um prato cheio para aventuras de todo tipo (Tamtul e Magano que o digam!).
Esse também um mundo sem metal. Não que ele já tenha existido no passado como é o caso de Dark Sun, simplesmente não há minérios metálicos em Kurgala – caso alguém se interesse em saber, isso é geologicamente possível –. Armas e utensílios são feitos principalmente de ossos, pedra e madeira o que serve para ilustrar um dos conceitos que foram abordados nos artigos anteriores:
O seu cenário pode ser extremamente exótico, repleto de raças e monstros e ainda sim ser uma baixa fantasia realista, como é o caso aqui.
Um bom exemplo de baixa magina no RPG. Imagine um sistema de RPG baseado na realidade de Kurgala, seria irado, não?
Mesmo o sobrenatural aqui é original. Se materializa na forma das Relíquias Dingiri que apesar de parecerem simples joias ou amuletos, são artefatos de uma era ancestral de poder considerável. Contudo, os seus efeitos lembram mais algo que um dispositivo tecnológico faria o que deixa aquela pulga atrás da orelha do leitor. Os próprios deuses de Kurgala lembram mais seres de natureza alienígenas do que divina.
Outros conceitos e axiomas que discutimos anteriormente aparecem aqui de modo magistral, como a amoralidade – ou moralidade cinzenta – da sociedade, a desilusão, preconceito, política, família, legado, ignorância, fanatismo e intrigas idênticos ao que vemos em nossa realidade e até mesmo em outros mundos fantásticos, porém tudo isso com uma cara própria moldada e adaptada conforme os paradigmas do cenário.
A Hq Tamtul e Magano e a Ameaça de Rumbaba, é uma excelente opção para se ter uma referência visual do universo criado por Solano. Isso caso você caro leitor deseje narrar uma aventura nesse mundo.
Me surpreende que ninguém ainda adaptou Kurgala para algum sistema de RPG ou que a própria editora não o tenha feito. Melhor para nós que podemos fazê-lo, não?
Aliás uma adaptação para RPG de Espadachim de Carvão, não contaria com o mesmo problema de se adaptar obras como o Senhor dos Anéis por exemplo. Uma vez que até o momento a saga do espadachim tem sido muito intimista, o que dá margem para aventuras paralelas. Sua saga ou mesmo que permita aos jogadores criarem o desfecho da mesma, caso queiram fazê-lo.
Ideias para o seu mundo
Claro que eu não poderia concluir esse artigo sem antes compartilhar com você, caro leitor, algumas ideias de temáticas para os mestres que querem criar seu próprio cenário de Baixa Fantasia.
Mundo Antigo: essa temática é muito comum e bem explorada na fantasia, o que não significa que não possamos abordá-la sob uma nova perspectiva. Basta considerar que o seu cenário é um mundo muito antigo, que viu a ascensão e queda de várias raças e civilizações – seja de modo gradual como o império romano ou brusca por meio de cataclismas naturais ou forças arcanas – e agora os personagens estão vivendo em mais uma dessas eras, podendo ter conhecimento acerca das anteriores, ou não, que irão se deparar com seus legados materiais e culturais, lidar com consequências das ações passadas e futuras.
Você pode ambientar seu jogo no princípio dessa era, com o ressurgimento da civilização, ou no fim dela, quando a sociedade está se degenerando ou quando o cataclisma é iminente. As possibilidades são muitas para listar aqui, mas trazendo uma grande variedade de temas e histórias com personalidades muito particulares, permitindo tanto um jogo heroico quanto sombrio, de toda forma a magia pode ser abordada aqui de duas formas.
Uma fonte de grande poder dos antigos que está sendo redescoberta aos poucos pelos povos atuais – inclusive os monstros e aberrações deles – ou como um conhecimento que está aos poucos se perdendo ou causando a decadência da civilização. Qualquer tipo de referência pode ser usado aqui, a Baixa Fantasia está nas características e narrativa que se deseja usar.
Uma lacuna do tempo pouco aproveitada, mas muito ”fértil” para suas aventuras.
Mundo Jovem: essa temática não é muito explorada, mas tem grande potencial. Imagine um mundo em que a civilização se encontra em um estado primordial, sendo pouco mais do que cidades-estados, pequenos reinos e tribos.
Temos aqui margem para campanhas de exploração muito interessantes com os personagens evoluindo de reles exploradores, nômades e mercenários a verdadeiras lendas vivas. Ao criar rotas de comércio, estabelecer contato com um novo povo, descobrir uma nova fonte de riqueza ou derrotar feras exóticas, praticamente qualquer enredo pode ser adaptado aqui. Mas, é importante potencializar o sentimento de estranheza ou maravilhamento dos personagens.
Uma abordagem da magia seria a de que ela ainda não é totalmente conhecida, há poucos grupos e tradições que a estudam e seus conhecimentos ainda são muito elementares, de modo que a mesma seja envolta em mistérios, há a possibilidade de os conjuradores do grupo aprenderem novos poderes com outras culturas ou criar seus próprios feitiços.
Uma ambientação análoga a Era do Bronze, cobre a maior parte das referências visuais, muito embora isso não seja obrigatório.
Pós-Apocalíptico: essa é ao meu ver a solução mais simples, contudo é absurdamente versátil, principalmente quando tratamos de fantasia, uma vez que aqui os gêneros podem se encontrar e criar situações e narrativas únicas, fora que toda a coerência está estruturada no cataclismo que se abateu sobre o cenário e de suas repercussões, contudo aqui as coisas só funcionam caso você seja criativo, eis algumas ideias de desastres:
Ao invés de sobreviver para cumprir a missão, e se a missão for sobreviver?
- Devastação “Atômica”Todos estamos carecas de ver filmes e jogos que se passam após uma guerra nuclear. Mas então por que não usar dos mesmos princípios em um cenário fantástico? Nada contra seu mundo “medieval” ter se originado de uma explosão nuclear, mas que tal se o abuso da magia ou o uso de uma arma mágica de grande poder tenha gerado uma grande devastação no mundo? Explore mutações, seres aberrantes e zonas de magia intensa e nociva e pronto!
Temos um cenário pronto, focado em sobrevivência (talvez), onde a magia no rpg será rara, pois poucos podem se dedicar a ele, por que foi considerado responsável pela tragédia, seus praticantes foram/ são perseguidos ou por que seu uso acarreta em um grande perigo para quem o usa.
- Invasão: é muito mais fácil narrar uma “invasão alienígena” na fantasia do que em qualquer outro gênero. Afinal aqui estamos muito bem servidos de dimensões paralelas e raças horrendas que estariam muito felizes em avassalar com a civilização humana (não é mesmo D&D?) com uma grande variedade de invasores que poderiam ditar transformações radicais no cenário.
As estrelas podem ter finalmente se alinhado e os Grandes Antigos ou os Titãs despertaram e suas hordas devastaram o mundo, com seres monstruosos vagando pelas ruínas de cidades caídas e cultista por todo lado.
Um império subterrâneo pode ter provocado a erupção de vários vulcões criando uma “noite eterna” na superfície para que suas legiões atacassem os reinos desavisados. Seres submarinos causaram grandes maremotos que alagaram porções colossais de terra, isolando reinos e infestando o novo ambiente com tropas anfíbias e monstros aquáticos.
Esse tipo de cenário trás uma sensação de ameaça iminente que abre várias possibilidades, principalmente envolvendo milícias e grupos de mercenários. Buscas e explorações são como trunfos.
Explore o caos social sem cair nos mesmos problemas de sempre, uma forma de utilizar da baixa magia no RPG
- Colapso Social: vou fugir do clichê e não vou citar uma pandemia aqui – no atual momento seria de extremo mau-gosto – em vez disso vamos para algo mais antropológico. Imagine que o cataclisma que se abateu sobre a civilização foi simplesmente a degeneração social ou das instituições governamentais que mantinham a ordem. Esse seria um “cataclisma” em menor escala, afinal seria impossível que isso ocorresse simultaneamente em um cenário não contemporâneo, contudo os seus efeitos podem ser terríveis.
Vamos tomar o Império Romano com exemplo. Imagine que o seu mundo conhecido se resume as fronteiras e estados vizinhos de um vasto império. E no decorrer dos seus muitos séculos de existência, se expandiu além da capacidade de seus regentes de administra-lo. Com sua burocracia cada vez mais corrupta e independente do poder central, podemos acrescentar disputas entre facções políticas, guerras civis, e tomadas de regiões fronteiriças e invasões de outros povos. O desfecho, claro, culminou no total colapso do poder que estruturava o império.
Províncias e cidades seriam isoladas e deixadas a própria sorte, generais se tornariam senhores da guerra e mercenários, governadores locais se transformariam em eminências ou monarcas, criando um terreno fértil para tirania e bandidismo. Em alguns anos o império outrora poderoso e unificador já não existiria mais, dando lugar ao caos.
Essa é só uma das muitas possibilidades de ambientação dentro dessa temática. Também pode ser inserida em outras temáticas apresentadas anteriormente como consequência dos eventos e características que você decida usar em sua criação.
Conclusão
Aparentemente eu tenho um problema para escrever textos curtos (ops!). Mas agora sinto que pude enfim dizer tudo o que eu queria dizer a cerca da Baixa Fantasia e o porquê você, mestre e jogador, deveriam investir nesse tipo de narrativa.
Trazer o fantástico para mais próximo da realidade cotidiana é um desafio. Especialmente pelos aspecto negativos, faz parte da contação de histórias e da mitologia humana desde tempos remotos. Nos dias de hoje isso ajuda a literatura de fantasia perder o estigma de escapismo e direcionada a um público imaturo. Mostra que ela é um palco tão bom quanto qualquer outro para expor e debater problemas sociais e conscientizar jovens e adultos. A partir do momento em que sofremos e sentimos as conquistas dificultosas do protagonista, nos sentimos parte desse processo e por isso criamos mais apego a ele.
Pretendo voltar em breve, dessa vez discutindo um novo tema, ou então só despejando ideias malucas por aqui mesmos, até lá… Boas rolagens e bons jogos!
Créditos de imagem:
01: Hércules (Fonte)
02: Hércules (Fonte)
03: Espadachim de Carvão (Fonte)
04: Espadachim de Carvão (Fonte)
05: Novos mundos (Fonte)
06: Novos mundos (Fonte)