Caro leitor, vos trago hoje um pequeno conto de minha autoria, que surgiu tão de súbito quanto se surge um sonho. Fruto de um pesadelo, ao ler o texto que aqui está inserido, você caminhará pelos corredores da minha mente em uma noite de sono mal dormida. Boa caminhada e uma boa leitura.
Aflição Silenciosa
É como um pesadelo… Você sente que algo o persegue e está sempre lá, querendo chegar até você. Eles te visitam à noite, te buscando, enquanto sua mente vagueia. Tentam te agarrar, te segurar e te prender, mas você luta contra. O sentimento de desespero se sobressai ao de lucidez. Até que você acorda, suado, insano, buscando uma resposta plausível para voltar a ter paz. “Era só um sonho.”, você constata. Mas no fim, sabe que era mais que isso. Será que um dia conseguirão te dominar?
Então você volta a dormir, acreditando na mentira diária de que isso não irá se repetir na noite seguinte. Mal sabe você que eles já te alcançaram, já conhecem sua mente, seu corpo e sua voz. São tão íntimos de ti que você nem nota o quão perto estão. Eles te tocam, te observam, te rodeiam, puxam seus cabelos e sentem em você o cálido desejo da simples comunicação. A única coisa que lhes é negada. A quebra do silêncio. Lhes é negado, pois, após o primeiro contato ser finalmente efetuado, todas as mentiras, todos os segredos que você conta a si mesmo irão esfacelar e desaparecer no sabor do vento inóspito dos sonhos.
Porém, eles tendem a buscar outras maneiras de realizar contato, tagarelando com os demais sentidos. Caminham para o olfato e o imploram por atenção. Sem sucesso. Então, correm até o tato e tentam convencê-lo. Impossível. Talvez o paladar o faça descobrir, mas, no fim, nada passa de uma noite sem escovar os dentes. “Nós já sabemos!”, eles insistem, “A visão! Já que nos é impedido o doce deleite da reverberação sonora, nos deixando à mercê do silêncio, vamos fazê-lo olhar.”.
Numa última tentativa, de volta ao mundo de Morfeu, você se debate, até se desespera, pensando que nunca conseguirá sair dali. Mas, depois de um momento, você percebe que já esteve nesse chão molhado, nessa maca iluminada que se situa no meio do buraco negro da escuridão, dentro dessa junção estática de multiversos viris. Você também já viu as duas figuras de olhos esbugalhados que tanto o seguram, sem te deixar escapar. Até chega a pensar que talvez possa resistir, pois, é tudo muito familiar. Mas há algo diferente: uma terceira figura aparece, com um corpo humanoide indescritível e olhos ainda mais escuros, trazendo, em seus dedos alongados, uma novidade para o cenário.
Um objeto retangular, minúsculo, que, ao ser apontado para você, revela aquilo que lhe era mais temido. O som para todo aquele silêncio. O sabor nefasto da angústia e da aflição ao confessar tudo que você ainda não havia enxergado: O reflexo.