terça-feira, dezembro 17, 2024
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Vamos falar sobre: Bárbaros

Não caro leitor, este não é “mais um artigo sobre as classes de D&D”, mas acima de tudo um breve estudo a cerca de um dos arquétipos mais presentes na fantasia medieval. (Você pode ver vários outros posts meus clicando aqui.) Considerei muito como escrever este artigo, a princípio eu pretendia escrever sobre Guerreiros e citar os Bárbaros eventualmente, contudo depois de muito reflexão decidi que eles mereciam artigos separados para si.

“Por que?” você deve estar se perguntando. A resposta é simples, apesar de na prática um bárbaro ser um tipo de guerreiro, ele possui uma série de características próprias que o tornam um pouco mais do que isso. Em geral um guerreiro é um membro de uma casta militar, alguém com treinamento formal com armas e táticas militares, os quais ele pode ter aperfeiçoado sozinho, estudando com diversos mestres ou por meio de suas experiências e treinamento junto a um exército ou milícia.

Em oposição a isso o bárbaro é rústico e apesar de ser tão habilidoso quanto um guerreiro tradicional, suas habilidades como lutador provém de uma fonte distinta, contudo a principal diferença entre os dois é sua postura, a forma como se comportam enquanto indivíduos e combatentes perante a sociedade em que se encontram.

O que sabemos

A princípio, diferente de outras classes os bárbaros tiveram pouquíssimas inspirações históricas, sendo essencialmente inspirados em Conan, o Bárbaro, criado por Robert E. Howard, e personagens similares oriundos da literatura de Espada & Feitiçaria dos anos 1930 e 1960. Que por sua vez eram inspirados nos povos germânicos que haviam combatido os romanos e nos pioneiros, os primeiros exploradores do continente americano, recentemente muitos passaram a se inspirar nos povos nórdicos para criar seus bárbaros.

Nos contos originais de Howard é possível ver Conan como um personagem muito versátil que já atuou como um saqueador, foi ladrão e temido como Amra, o Leão, um corajoso pirata que entregou seu coração à Rainha da Costa Negra. Foi mercenário e general onde liderou uma revolução no maior reino de seu mundo e por fim, sagrou-se Rei da Aquilônia, tendo que defender seu reino e sua coroa de diversas ameaças. Conan é um personagem muito versátil que tem suas habilidades físicas e mentais testadas a todo momento.

Historicamente o termo “bárbaro” era aplicado pelos Helênicos a qualquer povo não falante de grego, o mesmo termo foi emprestado pelos romanos para denominar qualquer povo estrangeiro, aqueles que na visão do império eram “incivilizados. Contudo essa era uma visão extremamente tendenciosa e repleta de preconceitos contra povos contra os quais eles já haviam guerreado, e posteriormente, como uma justificativa ideológica para conquistar e subjugar povos que eram ditos como inferiores ou – como no caso de Cartago e do Egito – que pudessem ameaçar de algum modo a soberania do império.

Construções ideológicas

A série documental do History Channel – impressionante que não seja sobre alienígenas –, “A Rebelião” dos bárbaros retrata bem essa relação entre esses povos e o império romano, apresentando uma variedade de culturas, bem como personagens icônicos a cada episódio. Um prato cheio para você se inspirar, além de um excelente material de consulta, com trechos dramatizados retratando as batalhas e o desenvolvimento dos protagonistas de cada uma das revoltas retratadas.

Essas construções ideológicas criaram um conjunto de estereótipos dos quais a literatura de fantasia se apropriou. Onde os bárbaros são geralmente descritos como guerreiros tribais primitivos de terras selvagens e não civilizadas, apresentados como brutamontes sem camisa. Vestindo peles/couro que empunha armas pesadas, sendo ferozes, sedentos de sangue e indisciplinados, sendo ignorantes desprovidos de inteligência.

Apesar de extremamente icônico – um dos meus filmes preferidos diga-se de passagem – Conan, o bárbaro, de 1982, estrelado por Arnold Schwarzenegger, infelizmente acabou massificando a imagem do “bárbaro burro”, que se resume a uma montanha de músculos desprovida de qualquer raciocínio capaz de trucidar enxames de inimigos com sua fúria. Verdade seja dita, a maior parte da culpa recaí nas paródias e filmes de baixo orçamento. Que definitivamente tentaram lucrar na esteira do sucesso do longa, porém convenhamos que as limitadas capacidades cênicas do nosso querido halterofilista austríaco deram motivo pra isso.

Nem só de FÚRIA vive um Bárbaro

Esse talvez seja o aspecto mais icônico dos bárbaros. A fúria representa toda a selvageria e incivilidade atribuída a esses guerreiros. Onde ele é tomado por uma raiva quase animalesca que o torna imune a dor e aumenta sua resistência de modo absurdo, permitindo que lute contra adversários poderosos ou mesmo grandes grupos de inimigos sozinho.

Soa muito místico, não?

Essa “fúria” – salvo os exageros poéticos – é um dos elementos mais historicamente acurados quando nos referimos a povos considerados como bárbaros no mundo real. Os berserkr nórdicos são os maiores portadores do legado da fúria. Eram guerreiros que trajam peles de animais e lutavam sob a influência de alucinógenos que causavam um surto psicótico no mesmo, algo realmente intimidante em campo de batalha.

Era comum que os guerreiros celtas pintassem seu corpo – William Wallace mandou um olá – e fossem a batalha sob o efeito de álcool para lutar de modo mais agressivo. Muitos desses guerreiros dispensavam armadura ou mesmo lutavam nus como forma de demonstrar bravura.

A ideia de um frenesi de batalha ou de uma brutalidade extrema na forma de lutar são um padrão visto em diferentes culturas guerreiras. Muitas vezes pensadas como uma forma de intimidar ou abalar psicologicamente um inimigo antes de uma batalha. Contudo ela não é um elemento essencial para caracterizar o seu personagem como um bárbaro. Essa impressão errônea vem da curta faixa de inspirações históricas que a cultura dos bárbaros teve na ficção, sendo limitados apenas aos povos tribais europeus, como os supracitados.

O que muitas vezes entendemos como fúria ou frenesi são nada mais do que parte de uma estratégia de intimidação. Pensada para abalar psicologicamente um inimigo antes ou durante uma batalha, sendo que muitos desses comportamentos sequer existiam ou eram propositalmente exagerados e simulados.

”Intimidação cultural”

Os guerreiros Azande, plural de Zande, oriundos do norte da parte central do continente africano. Intimidavam seus inimigos fazendo-os acreditar que eram canibais(quando de fato não eram), chegando ao ponto de afiar os dentes e ter como grito de guerra a palavra “COMER”. Inferindo que os inimigos mortos seriam devorados e desestimulando represálias do inimigo.

Ao sul no continente africano reside o povo Zulu, na época do rei Shaka, essa etnia se tornou altamente militarizada, conquistando um vasto território. O monarca criou uma série de formações de batalha, diversas técnicas de luta que visavam confundir e abrir a guarda do oponente. Bem como uma nova arma que incorporava elementos funcionais de uma lança, uma espada e uma adaga que apenas os Zulu sabiam manejar corretamente.

Sohei eram monges guerreiros budistas japoneses durante os anos feudais do Japão que se tornaram famosos por sua atuação em diversos conflitos. Certos relatos afirmavam que eles tinham extrema tolerância a dor e podiam entrar em frenesi durante o combate.

Os maori e outras culturas polinésias executam uma dança de guerra conhecida como um Haka. Cada tribo tem um Haka, acredita-se que a mesma quando executada concede força e coragem ao guerreiro, podendo também ser executada em cerimônias especiais.

Quando em batalha esses guerreiros fazem constantemente carrancas, esbugalhando os olhos ou mostrando a língua para os inimigos. Tal comportamento visava intimidar o adversário e ocultar o próprio medo, demonstrar medo atrairia a morte para si.

O ”verdadeiro bárbaro” na verdade são vários.

As diversas tribos germânicas, dentre as quais vale a pena destacar os Vândalos e os Godos – incluso os Visigodos e Ostrogodos – faziam uso de numerosas técnicas e táticas de guerrilha. Assim como a camuflagem e ataques furtivos para combater os romanos em seu território, fazendo uso de poderosos escudos, porretes e lanças longas – algumas medindo até dois metros – para infligir grandes estragos as formações inimigas.

Esses exemplos citados nos parágrafos anteriores servem para ilustrar que o escopo do que podemos considerar como “bárbaros” vai muito além de guerreiros tribais, primitivos e indisciplinados.

Esses combatentes eram dotados de muita agressividade sem dúvida, mas que também dominavam técnicas de luta únicas. Armas exóticas, táticas de combate avançadas e até mesmo dispunham de grande disciplina para lutarem. Recorrendo a fatores psicológicos para subjugar os oponentes mais do que apenas fisicamente, minando sua vontade de lutar.

Uma forma de simples de fazer a releitura da imagem arquetípica de um bárbaro seria imaginar uma versão “guerreira” de um druida. Convenhamos que não é muito difícil imaginar uma tribo ou comunidade de bárbaros que segue os preceitos da religião druídica. Ou mesmo que tenha surgido a partir de um conclave de druidas em algum momento.

A Civilização aos olhos do Bárbaro

“Eu já vivo entre os ditos civilizados há muitos ciclos e no fundo isso só fez sentir ainda mais orgulho de ser chamado de Bárbaro!”

A frase acima representa um dos aspectos mais importantes na criação de um bárbaro, a aversão as cidades. Os povos tidos “civilizados” mentem, matam e roubam em troca de ouro e poder. Tomam o que não lhes pertence, impõe autoridade sobre outros sem terem conquistado o seu respeito. Assediam as mulheres, não tem respeito pelos seus ancestrais e nem pela natureza que os cerca, cospem no chão, etc.

Na visão de um bárbaro os costumes dos homens tidos civilizados são tão estranhos quanto os seus costumes são para eles. Se por um lado as pessoas irão desconfiar de um bárbaro adentrando em seu vilarejo, um bárbaro não terá o “trato social” capaz de conter todas as suas ações que seriam consideradas “rudes” para os outros, sem nem mesmo perceber isso.

Uma dica para os narradores. Trabalhe essas reações, crie os contrastes entre as atitudes mais banais entre a sociedade urbana e a bárbara, expresse a estranheza que ambos sentem ao ver as vestimentas, armas, comidas, construções, figuras de autoridade, festas, modos e cerimônias religiosas ou qualquer outro aspecto social que seja importante para a narrativa.

Partindo dessa ideia podemos considerar que uma cultura bárbara como apenas outro formato de civilização. Orientada por valores e crenças diferentes da civilização dominante, onde seus membros preferem viver de modo mais simples, em contato com a natureza, longe dos confortos e comodidades das cidades. O que não os torna menos civilizados, inteligentes ou educados, mas sim indivíduos que adotaram um modo de vida diferente, seja por motivos culturais, religiosos ou mesmo ideológicos.

Sociedades barbaramente evoluídas

Esse modelo de sociedade pode contar com membros tão capacitados e inteligentes quanto qualquer outra. Seus guerreiros poderiam ser treinados no uso de diversas armas. Suas estratégias seriam combinadas com suas técnicas de caça. Seu comportamento pode ser tão tático quanto o de qualquer outro guerreiro, contudo todos esses elementos carregam uma identidade própria característica dos aspectos daquele povo.

As contradições não param por aí. Essas sociedades podem ser extremamente avançadas – mais até do que os povos “civilizados”, tanto mentalmente, quanto socialmente e religiosamente, podendo ter uma forte ligação com a natureza – inclusive incorporando druidas em suas comunidades – e dominando recursos de maneiras desconhecidas por outros povos. Os membros desses povos que dizem ter uma “cultura superior” sequer imaginam que na verdade tais bárbaros podem ser mais dignos do que qualquer morador de uma grande e majestosa cidade.

Imagine que essa sociedade detém o segredo para criar uma liga metálica com propriedades únicas, muito rara e valiosa, que os permitem criar armas e artefatos exóticos (Wakanda você por aqui?). Ela rejeita toda forma de metal, tendo desenvolvido um substituto orgânico ou mineral, porém tão eficiente quanto. Seus curandeiros podem combinar ervas medicinais de modo a curar ou mesmo imunizar pessoas contra doenças antes mortais. A tribo pode ter escolhido se isolar para proteger um local que considerem sagrado. Sua sociedade pode seguir um modelo matriarcal ou com líderes eleitos pelo povo.

Ignorar a possível inteligência de um bárbaro é um erro claro!

O segundo livro da série Mago – Mago Mestre – retrata muito bem o contraste da visão a cerca de civilização entre os dois povos antagônicos do livro, onde cada um vê o inimigo como um “bárbaro ignorante”, sendo que ambos são igualmente sofisticados, dados os recursos que dispõem. A série A Filha do Império, do mesmo autor e ambientada no mesmo mundo, detalha ainda mais o cenário e as relações culturais entre esses povos.

Independente de qualquer conceito que você, caro leitor, queira criar para o povo do seu personagem, tenha em mente que a palavra chave é BRUTALIDADE. Uma sociedade bárbara, por mais evoluída que seja, sempre será mais brutal do que a sociedade convencional. O que obviamente reflete os indivíduos que fazem parte dela.

Todos os argumentos trazidos até aqui são referentes a sociedades humanas, mas quando passamos ao escopo da fantasia as possibilidades aumentam exponencialmente. Especialmente no que se refere a presença de raças humanoides.

Imagine que um bebê humano, elfo ou halfling, é encontrado/ adotado por homens-lagarto ou orcs, que o criam como parte de sua tribo. Discorra os motivos que levaram esses seres a adotar essa criança, qual sua relação com os outros membros da sociedade, o que o motivou essa pessoa a deixar sua aldeia e explorar o mundo, quais os contrastes de seu comportamento com o esperado de um indivíduo de sua raça, qual sua percepção acerca da civilização, quais as habilidades que ele adquiriu em sua criação “diferenciada”.

E por que não sair do padrão humano-elfo?

Outra boa possibilidade é ter um personagem “monstruoso” – como um Troll, Ogro ou Minotauro – que faz uso de uma magia, artefato ou poção para assumir uma forma “humana”, que pode ser ilusória ou não, e aqui alguns questionamentos se repetem enquanto novos surgem. Por que esse ser fez isso? Quais os preconceitos que ele enfrentaria em sua forma original? Quais os contrastes de seu comportamento? Qual sua percepção das outras sociedades? O que o diferencia dos demais membros de seu povo e sua raça? Quais habilidades ele tem acesso nessa forma?

As possibilidades são infinitas, e por mais que eu queira listar todas elas aqui, deixo essa tarefa a seu cargo, caro leitor. Afinal quem conhece o seu cenário melhor do que você, não?

Como mudar?

A essência arquetípica do bárbaro é a de um guerreiro vindo de um povo tido como “incivilizado”. Em outras palavras, aquele que luta de modo não convencional, sendo mais violento do que um guerreiro tradicional. A partir dessa descrição, que não necessariamente engloba, nem exclui termos como tribal, primitivo ou incivilizado, temos a ideia com a qual vamos trabalhar.

Podemos reinterpretar um bárbaro como um combatente não convencional, um guerreiro que luta de forma exótica, fora dos padrões comuns para aquela sociedade. Contudo o fator mais importante na concepção de um personagem bárbaro é sua cultura, nos contentamos em reduzir esses personagens a meros selvagens furiosos quando na verdade eles tem potencial para muito mais. Nos mundos fantásticos eles podem ter muitas faces: Exploradores corajosos, xamãs poderosos, guerreiros perigosos ou até mesmo ladrões furtivos e habilidosos.

Um bárbaro é, em última análise, um anti-herói. Ele é alguém que aprendeu a viver a liberdade plena, pagando o preço da brutalidade todo santo dia. Logo, sempre que alguma autoridade do mundo civilizado tentar exercer seu suposto poder sobre o bárbaro, este raramente irá se intimidar por suas palavras.

Ele não obedecerá ao protocolo social, ou terá o cuidado que um guerreiro comum teria. Isso também não implica de modo algum que o bárbaro é estúpido, partindo do pressuposto da sobrevivência ele irá recuar em um conflito se isso entrar em contradição com algumas das convicções do povo bárbaro. Estas convicções podem ser sociais, religiosas ou pessoais.

Pense e elabore com cuidado essas convicções. O mesmo vale para as características do povo ao qual o seu personagem pertence. Não é preciso uma tese de antropologia, mas tende distinguir três ou quatro traços culturais marcantes. (comportamento, religião, ideologia, costumes etc.)

Um bárbaro costuma ser um produto do meio em que foi educado.

Contudo partindo desse mesmo princípio o seu bárbaro pode ter as origens mais exóticas ou banais, como por exemplo:
  • Brutamontes vindo de uma remota aldeia de lenhadores
  • Guerreiro primitivo oriundo da terra oca
  • Pirata fanfarrão e ganancioso em busca de riquezas
  • Ex-soldado de temperamento explosivo que foi expulso do exército do qual fazia parte.
  • Guerreiro oriundo de uma tribo que habita e protege as ruinas de uma antiga cidade.
  • Ex-gladiador que conquistou sua liberdade.
  • Uma guerreira oriunda de uma tribo ou reino de amazonas.
  • Brutamontes que atua como capanga de uma gangue.
  • Guerreiro primitivo vindo de uma região remota habitada por dinossauros
  • Homem das cavernas que foi “descongelado” na era atual.
  • Guerreiro oriundo das terras gélidas do norte.
  • Caçador dos charcos e pântanos das terras do leste
  • Guerreiro oriundo dos clãs das montanhas cinzentas
  • Desiludido e amargurado veterano de guerra
  • Guerreiro oriundo de uma tribo druídica que habita as margens de uma grande floresta.
  • Brutamontes que ganha a vida como um lutador de rua
  • Guerreiro de dupla personalidade que manifesta habilidades bestiais
  • Caçador destemido e ágil oriundo das densas selvas tropicais do sul.
  • Criança que foi criada por lobos por vários anos antes de ser levado de volta para a civilização.
  • Guerreiro oriundo de um vasto arquipélago habitado por várias espécies de monstros marinhos.
  • Ser monstruoso – como um Troll ou Ogro – capaz de assumir uma forma humana por meio de uma magia ou poção.
  • Guerreiro a serviço de um conclave de sacerdotisas-bruxas que governam uma confederação de tribos.
A própria “fúria” pode ter abordagens diferenciadas para o seu personagem, como por exemplo:
  • Um frenesi ou surto psicótico provocado por alucinógenos ou álcool
  • Transformação monstruosa induzida por poções alquímicas
  • Uma maldição lançada por um feiticeiro ou entidade maligna
  • Capacidades físicas aprimoradas temporariamente por meio do consumo de poções
  • Transformação monstruosa provocada por um talismã antigo
  • Canaliza o poder de um artefato místico que amplia suas capacidades físicas
  • Um elmo ou máscara mística que provoca um frenesi no usuário
  • Seu surto aparentemente irracional é simulado, sendo apenas uma tática de intimidação
  • Canaliza o poder de um patrono sobrenatural na forma de uma aura mística que amplia sua força e reflexos.
  • Uma dança de guerra ritualística acompanhada de insultos e carrancas para intimidar o inimigo.
  • Estado mental de foco extremo que provoca um surto de adrenalina e confere uma maior tolerância a dor e a fadiga.

Adicione camadas de elementos interpretativos para o seu personagem como hábitos, costumes e crenças, quanto mais exótico melhor – só não esqueça da verossimilhança -, comece com coisas simples. Quais os rituais de passagem que ele teve que passar? Ele pinta o corpo antes de batalhas importantes? Ou costuma cobrir todo o corpo com um pigmento azul e nunca é visto sem ele, cultua um deus das tempestades que favorece aqueles que nascem durante uma tormenta, faz tatuagens ritualísticas que narram seus grandes feitos em vida para os seus parentes.

Essas camadas podem se estender até mesmo aos itens e armas que ele carrega consigo como por exemplo: Suas armas e armaduras são feitas com partes dos monstros marinhos que ele caçou, carrega sempre consigo amuletos esculpidos em pedra e ossos dados por seus parentes, ou coleciona os escalpos de inimigos derrotados.

Exemplificando

Recentemente eu comecei a jogar uma partida de D&D, usando as regras do Camarão Hack, onde o mestre resolveu narrar a famosa Temple of Elemental Evil. Na criação de personagens eu acabei decidindo jogar com um bárbaro.

O jogo está acontecendo no mundo de Greyhawk, o qual devo admitir não conheço bem. Tanto que eu justifiquei o background do meu personagem apenas com “ele vem de uma terra distante e remota onde dinossauros e seres primitivos ainda existem”. O que tornaria meu personagem Nanoc (nome muito sugestivo eu sei, mas sejamos francos… Por que não?), basicamente um homem das cavernas, que decidiu conhecer a civilização a partir do contato com marinheiros que haviam sido auxiliados pela tribo. Prometeu retornar com histórias de glória e uma grande fortuna, o que para o seu povo seriam esposas – sim no plural -, mas vamos falar disso mais tarde.

Nanoc é um humano alto, atlético e musculoso, de pele morena e cabelos negros – coincidentemente muito parecido com Dwayne Johnson – que se veste com um saiote de panos grossos e couro, tendo uma capa feita com o couro de um tigre dentes de sabre, cuja cabeça ele veste como um capuz ao melhor estilo Hércules, tendo como arma principal uma grande clava coberta por espinhos talhados na madeira e enrijecidos com calor.

Até aí um bárbaro não muito diferente dos demais, certo? Errado!

A interpretação desse personagem faz toda diferença nas partidas. Nanoc é brincalhão e sincero, gosta de dar doces para as crianças e segue à risca a etiqueta de seu povo. Ao chegar em uma comunidade ele se apresentou as autoridades religiosas e seculares do local, expondo suas armas ritualisticamente como demonstração de que ele havia vindo em paz. Atitude essa que imediatamente o fez ganhar o respeito dos líderes militares e do druida local.

A cultura de seu povo é baseada em trocas de bens, então o personagem tem dificuldades de lidar com dinheiro e de entender por que os guerreiros dessa terra estranha vestem roupas de metal e o seu uso prático, além de não saber ler. Ele tem pouco interesse em ouro, mas sim em glória e feitos heroicos, para que assim conquistar o respeito e admiração das pessoas a sua volta.

Seu deus é um ser de corpo humanoide e cabeça de tiranossauro rex chamado Grunka. Essa deidade foi inventada no meio da partida por mim, com os demais jogadores, dando sugestões de preceitos e feitos mitológicos dessa deidade, em tom de piada.

Desse modo Grunka tornou-se esse deus meio réptil que com sua grande clava bateu nos mares, causando terremotos e fazendo surgir o arquipélago de onde Nanoc veio, e ao demonstrar sua força e seu poder, esse deus teria conquistado várias esposas, com as quais daria origem ao panteão cultuado pelas tribos do arquipélago.

”Aceita-se currículo para ser marido!”

Ainda que a sociedade tribal dessas ilhas seja poligâmica e patriarcal, as mulheres são ensinadas a lutar e caçar tão bem quanto os homens. Possuindo direitos iguais, sendo que ELAS ESCOLHEM seus maridos, julgando os pretendentes por seus feitos e sua força, tal qual fizeram as esposas do deus Grunka. Ter uma família grande e muitos filhos é considerado sinal de riqueza e prosperidade para um indivíduo.

O personagem descreve para o anão bardo do grupo que o pós-vida de seu povo é uma terra onde habita o seu panteão. Onde os mais valorosos guerreiros vão caçar e festejar com suas famílias ao lado de Grunka eternamente.

Antes de entrar na dungeon Nanoc fez pinturas em seu corpo, a tinta era um pó feito com os ossos de grandes feras que ele havia caçado. Ao mesmo tempo, usando essa mesma tintura para adornar sua arma, pedindo assim a proteção de seu deus e garantindo que caso ele morra ele possa ser lembrado por ele.

Claro que também há traços cômicos no personagem que tenta ser simpático e assusta as pessoas ao sorrir e mostrar os dentes pontiagudos. Da mesma forma sua falta de modos a mesa, o fato de todos tentarem tirar moedas a mais dele quando ele tenta pagar por algo. E claro, especialmente pelo fato de ele não ter a menor ideia do que é um galinha.

O desconhecimento de determinada cultura não torna o bárbaro burro.

Esses detalhes se tornam relevantes para estabelecer as atitudes e motivações do personagem. E essas características fazem dele alguém único, uma vez que em termos de habilidade ele é como qualquer outro bárbaro, contudo, sua cultura e atitudes, bem como sua tribo nativa – os Presa Escarlate – o destacam de um simples bárbaro genérico vindo das montanhas, usando pele de urso com dois machados.

Esse personagem tem tudo para crescer ainda mais dentro da campanha e com ele já estabelecemos um possível cenário para novas aventuras além da possibilidade de novos personagens e NPCs vindos daquela região.

Outros exemplos de bárbaros “diferentões” de diversas mídias são Drax, Hulk e Wolverine na Marvel. O Kurgan de Highlander, Inosuke Hashibira, do anime Kimetsu no Yaiba, Zaraki Kenpachi de Bleach, Thorfinn, Bjorn e Thorkell de Vinland Saga. Hércules e Tideus do longa-metragem de 2014, assim como Takar de Far Cry Primal, Guts de Berserker, Hinahoho do anime Magi. Igualmente Eloy de Horizon Zero Dawn, Alfarid de Arslan Senki, os Gorn e os Klingons de Star Trek, os Trandoshanos, Wookiees e Ewoks de Star Wars, os Druidas de Nanatsu no Taizai. Os Orcs e a maioria das raças pertencentes a facção da Horda em World of Warcraft, ou seja, sendo breve para citar apenas alguns.

Quanto aos clássicos podemos citar…

Além de Conan, obviamente, Kull, o conquistador, Red Sonja, Brachan o Celta, Travis Morgan,assim como o Warlord da DC comics, Death Dealer. Baseado nas artes do MITO Frank Frazetta, Dark Wolf e Larn do longa-metragem animado Fire & Ice. Igualmente obra do mestre Frazetta, Wolff, Dax e Korsar, os três criados pelo ilustrador espanhol Esteban Maroto, Thundarr, o bárbaro. (protagonista da série animada de mesmo nome.) Também fica a dica de leitura para os romances da série Companhia Negra e Elric de Melniboné.

As graphic novels tupiniquins do Piteco – Piteco: Ingá, e Piteco: Fogo –, além de apresentar vários personagens que poderiam facilmente serem bárbaros em algum cenário medieval também apresentam várias ideias bacanas para incorporar no seu cenário.

Também fica a dica de leitura para os romances da série Companhia Negra, Elric de Melniboné. Os povos bárbaros citados no mundo das Crônicas de Gelo, como os Selvagens para lá da Muralha e os Dothraki, também são uma boa fonte de inspiração para você que está interessado em fazer uma cultura bárbara exótica.

Conclusão

O arquétipo do bárbaro é um dos meus preferidos no universo da fantasia, assim como poucos arquétipos têm tanta profundidade e impacto social dentro de uma narrativa ficcional. Os bárbaros podem ser usados para expor os preconceitos de uma sociedade, apresentar culturas diferentes e regiões exóticas, além de trazer um novo modelo de personagem para a história.

Nem toda busca precisa altruísta ou motivada pela ganância, mas também por valores relevantes apenas para aquela sociedade. Nesse sentido também é uma oportunidade para o narrador e o jogador de pensar em nações e povos não eurocêntricos ou medievais. Dando um foco real a representatividade que tanto se discute nos dias de hoje, ao invés de simplesmente se manter na zona de conforto branca europeia, que infelizmente é o padrão da fantasia.

Com Nanoc eu quis representar uma etnia de selva análoga aos índios. Assim também com outros elementos fantásticos, como povos primitivos e culturas poligâmicas. (e mesmo assim não pensei em tudo, muita coisa surgiu durante o jogo)
Mas você caro leitor pode tomar como base diversas outras culturas como os povos mesoamericanas. Também as tribos indígenas aqui no Brasil, os povos da África, etnias do norte ou sudeste asiático, o que não falta são fontes de inspiração.

Seja ousado e criativo na construção do seu personagem e do seu cenário. Já estamos saturados de releituras dos tropos e lugares comuns da fantasia, a hora de trazer novas abordagens é agora.

Agradeço por ler o artigo até aqui e nos vemos na próxima!

01 Bárbaro ( Stepan Alekseev – artstation )
02 Estátuas bárbaros ( Andrei Bejan – artstation )
03 Hércules ( Hércules )
04 Grunka ( Critical-Dean ”Dean Spencer” )

Stefan Costa
Stefan Costa
"Professor de Geografia, leitor voraz, tagarela de muitas ideias e aspirante a escritor."
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